Esse
livro é fruto de muitos questionamentos durante a vida que me trouxeram até à
docência. E desses questionamentos, outros muitos mais apareceram e aparecerão.
Pois, as questões do mundo real nos foram negadas por distintos poderes
coloniais. E quanto mais nos damos conta disso, maior é nosso questionamento,
pois, questionando, nos decivilizando, vamos refazendo nossa resistência e
construindo a realidade que nos interessa, aquela que nos aproxima de nós
mesmos, críticos e conscientes. E nosso trabalho é todo dia na docência, em
conjunto e decivilizando-se, por isso, os questionamentos viraram esse livro,
para que possamos nos decivilizar ao questionar o padrão eurocêntrico imposto a
nossa Abya Yala.
Copérnico
publicou, em agonia, o livro que fundou a astronomia moderna.
Três séculos antes, os cientistas
árabes Muhayad al-Urdi e Nassir al-Tusi tinham gerado teoremas que foram
importantes no desenvolvimento dessa obra. Copérnico usou-os, mas não os citou.
A Europa via o mundo olhando-se no
espelho.
Além dela, o nada.
As três invenções que tornaram
possível o Renascimento, a bússola, a pólvora e a imprensa, vinham da China. Os
babilônios tinham anunciado Pitágoras com mil e quinhentos anos de antecipação.
Muito antes que qualquer um, os hindus tinham sabido que a terra era redonda e
haviam calculado a idade dela. E muito mais que ninguém, os maias haviam
conhecido as estrelas, os olhos da noite, e os mistérios do tempo.
Esses detalhes não eram dignos de
atenção.
Eduardo Galeano – Espelhos: uma história
quase universal, p. 111